A queda da Ponte do Estreito não foi uma fatalidade imprevisível, tampouco um acidente isolado. Foi o resultado anunciado de uma cultura histórica de negligência com a infraestrutura pública, na qual a manutenção é tratada como detalhe secundário e a vida humana como estatística posterior. O colapso da ponte deixou famílias destruídas, crianças órfãs e uma sociedade indignada pela tragédia evitável.
Pontes não caem de repente. Elas dão sinais. Fissuras, desgaste estrutural e falhas progressivas são alertas técnicos amplamente conhecidos. Ignorá-los é escolha. Quando governos deixam de investir em inspeções regulares e planos de manutenção, assumem o risco consciente de expor a população ao perigo. E, nesse caso, o risco se concretizou da forma mais cruel possível, interrompendo sonhos de 17 pessoas: Elizângela Santos das Chagas, 50 anos, Ailson Gomes Carneiro, 57 anos, Lorena Rodrigues Ribeiro, 25 anos, Lohanny Cidronio de Jesus, 11 anos, Anisio Padilha Soares, 43 anos, Silvana dos Santos Rocha Soares, 53 anos, Kécio Francisco Santos Lopes, 42 anos, Andréia Maria de Souza, 45 anos, Rosimarina da Silva Carvalho, 48 anos, Alessandra do Socorro Ribeiro, 50 anos, Beroaldo dos Santos, 51 anos, Cássia de Sousa Tavares, 34 anos, Cecília Tavares Rodrigues, 3 anos, Felipe Giuvannucci Ribeiro, 10 anos, Gessimar Ferreira, 38 anos, Marçon Gley Ferreira e Salmon Alves Santos, 65 anos.
O episódio escancara uma contradição incômoda. Enquanto obras públicas essenciais como hospitais, escolas e rodovias se arrastam por anos (como a quase lendária ponte de Xambioá, que se arrastou por oito longos anos em construção, quatro na execução das cabeceiras), muitas vezes paralisadas, superfaturadas ou abandonadas, a nova Ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira foi erguida em apenas dez meses. A rapidez impressiona, mas também levanta questionamentos inevitáveis: por que essa eficiência não é regra? O que muda quando a pressão pública se torna incontornável? E, sobretudo, onde estava essa agilidade na manutenção, antes da tragédia?
Obras públicas não podem servir a interesses eleitorais, econômicos ou propagandísticos. Elas existem para atender às necessidades da população com segurança, qualidade e responsabilidade técnica. A pressa para entregar uma obra após uma catástrofe não apaga o abandono que a antecedeu. Reconstruir rapidamente não compensa o fato de que manter adequadamente poderia ter evitado mortes.
Mais grave ainda é o silêncio que se segue ao choque inicial. Passado um ano da tragédia, nenhuma responsabilização efetiva ocorreu. Nenhuma prisão. Nenhuma punição exemplar. A impunidade transforma a dor em revolta e deixa a sensação de que vidas perdidas não geram consequências reais para quem falhou. Quando o Estado não responde, legitima o descaso e prepara o terreno para novas tragédias.
Que os 14 mortos e os três desaparecidos: vítimas do descaso e da impunidade, não sejam lembrados apenas como vítimas de um acidente, evitável, mas como símbolos de um sistema que falha repetidamente em proteger seus cidadãos. Não há beleza nas homenagens às vítimas de tragédias anunciadas. A memória dessas vidas exige mudanças concretas, fiscalização permanente e responsabilidade sem exceções.



