"O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO"

"...Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom almoço, um café da tarde e outras guloseimas aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha, geralmente uma das filhas, e dizia: - Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa..."Hismênia Vidal Xavier é psicóloga Clínica, psicanalista e especialista em Saúde Mental. Vem ler!

Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho e nas roupas, porque a família toda iria visitar algum conhecido. Geralmente em dezembro, íamos para os festejos de Nossa Senhora da Conceição que acontecia no dia 08 de dezembro, na Serra da Meruoca/CE.

Todos juntos, em cima de um caminhão, família grande, todo mundo tentando se organizar para sentar, era uma alegria única e uma aventura inesquecível. Geralmente parava o caminhão na praça e seguíamos a nossa saga a pé.

Ninguém avisava nada, o costume era chegar de surpresa mesmo. E os donos da casa recebiam alegres as visitas. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.

– Olha o compadre aqui, o primo ali, a tia daqui...e assim se iniciava a festa!

Cumprimentos de comadres.

E os mais novos apertavam as mãos, pediam a benção aos mais velhos e seguiam as conversas paralelas entre adultos e jovens.

– Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!

A conversa rolava solta na sala. Os compadres iam geralmente ao barzinho para conversar e tomar umas, minha mãe, tias e primas mais velhas, sempre ficavam na cozinha deliciando alguma guloseima. E dali risadas, histórias do passado e café coado no pano.

Eu, meu irmão e meus primos(as) ficávamos assentados todos num batente ou em alguma praça, entre olhando-nos e observando o cenário familiar.

Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora. Às vezes desejava que a nossa fosse assim.

Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom almoço, um café da tarde e outras guloseimas aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha, geralmente uma das filhas, e dizia:

– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.

Tratava-se de um banquete para nós. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.

Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? Pra que celular? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, nas fotos, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...

Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E ao final do dia voltávamos para nossas casas, com toda a alegria de ter vivido aquele dia, sempre nossas mães traziam frutas, doces ou qualquer outra lembrança desses momentos. Subíamos no caminhão e seguíamos viagem de volta, trazendo na bagagem boas lembranças das aventuras do dia e com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida.

Era assim quase todo ano. Visitas com o coração em festa... A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da vida.

O tempo passou e me formei em solidão.

Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, internet, e-mail, WhatsApp ... Cada um na sua e ninguém na de ninguém.

Não se recebe mais ninguém em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:

– Vamos marcar uma saída!... – Ninguém quer entrar mais.

Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas.

Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.

Casas trancadas... Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...

Que saudade de subir no caminhão e ver todos nós juntos e misturados, rumo a mais uma aventura!  E você tem alguma lembrança de suas aventuras familiares para contar? 

Vamos cuidar da saúde mental?

Hismênia Vidal Xavier Psicóloga Clínica/Psicanalista/Especialista em Saúde Mental. CRP 11/10421
Atendimento Online e Presencial.  Instituto Audy Azevedo - WhatsApp: 88 99626 5028 -