TESOUROS DO CERRADO

Para festejar o Dia Nacional do Cozinheiro, fomos virtualmente até a cidade de Peixe, no sul do estado, conversar com a premiada chefe de cozinha Rosa de Fogo. "Eu nasci praticamente dentro de um restaurante. A minha mãe aprendeu sozinha e teve como norte o livro de receita da Dona Benta", comenta.

A voz fica colorida e o aroma das panelas da mãe invade o presente de Rosa de Fogo, que nasceu Rosilene Pereira, pelas mãos da parteira "Mãe Deusinha", como era conhecida dona Deuselina Ponce na centenária cidade de Peixe, no Sul do Tocantins. Ela conta orgulhosa que por pouco não nasceu dentro da cozinha da pensão do seu Bena Queiroz, que a mãe tocava, em 1966, localizada no antigo casarão mais famoso do Centro histórico da cidade.

Quando as primeiras contrações para dar luz à Rosa de Fogo começaram, dona Olga do Amor Divino Soares estava aos pés do fogão caipira, preparando refeição para seus hóspedes. Naquela época, como hoje, também havia uma boa cozinha para atrair hóspedes. Com apenas a quarta série primária, a mãe aprendeu a cozinhar lendo as páginas de um antigo livro de culinária, o Dona Benta. E dona Olga fez questão de ensinar a todos os seis filhos os prazeres da boa comida e dar a cada um deles -  Wilton, Elci e Mary Lucia, Adriano e Alessandro - um exemplar do livro. Foi da mãe, naturalmente, que Rosa de Fogo herdou os dons culinários.

Mãe dos gêmeos Roberto e Rafael, Olga Maria e Isabela, Rosa de Fogo é pedagoga formada pela Unitins e graduanda em Gastronomia pela Faculdade Católica de Marília São Paulo, fazendo Pós-Graduação em Docência Gastronômica com Coaching. Secretária de Turismo de Peixe é Embaixadora do Tocantins, título conquistado com o Prêmio Nacional Dólmã.

Inquieta com o desperdício e a abundância na flora do cerrado tocantinense, a sua cozinha é um laboratório de experimentos de sabores exóticos, pouco explorados. Em suas mãos, digo nas panelas de Rosa de Fogo, tudo se transforma em iguarias únicas, para paladares apurados, feitos com frutos comuns do cerrado tocantinense. Transformar o ignorado ou não tão bem aproveitado em comida de verdade ao alcance de todos é o seu lema. Em sua mesa é comum o aroma de peixe com murici, peixe com mangaba, brigadeiro gourmet de baru, entre outros. “Precisamos ensinar as pessoas sobre a nossa terra, que o murici tem um valor muito maior que só fazer um suco, mas você pode fazer um doce, você pode fazer um brigadeiro gourmet com murici, pode fazer um creme para comer com peixe, você pode fazer um bolo de murici e assim vai... com todos os ingredientes. Como o baru, que hoje eu faço arroz com castanha de baru que fica uma delícia, um espetáculo o cheiro do baru quando bate no azeite. Temos o Jatobá, que você pode fazer farinha para bolo. Temos a cagaita. Conseguimos fazer geleia, suco. Temos a mangaba, um dos doces mais preciosos do nosso estado, que hoje as pessoas não querem fazer porque dá trabalho. Passa por um processo de dez dias mudando a água, enfiando um palito com algodão em cada fruta. Tem que ter muita paciência, mas é um doce fino, sabe?”.

RECADO AOS PREFEITOS

Nós temos "ene" frutos, "ene" produtos que são ingredientes, e podemos fazer receitas nutritivas e saborosíssimas. E podemos criar identidade gastronômica em cada município. Se cada município do Tocantins pegar um fruto do cerrado e criar um prato para fazer sua identidade gastronômica, eu tenho certeza que vamos chamar a atenção do mundo para nossa gastronomia afetiva e regional", sugere Rosa de Fogo.

“Sou apaixonada por nossos frutos e nossas belezas”, frisa. Para ela, é uma forma de resgatar a gastronomia da infância. Praticar a gastronomia afetiva e regional é valorizar o que temos no quintal".

Orgulho de ser peixense

Rosa afirma que o Prêmio Nacional Dólmã significou reconhecimento e impulso para sua carreira. Além de inserir Peixe no roteiro gastronômico nacional, lhe dá a  oportunidade de explorar a riqueza dos frutos existentes no cerrado, que podem alimentar e serem um negócio lucrativo para famílias inteiras. Também, segundo ela, ensinar as pessoas sobre a preservação das árvores frutíferas do cerrado é certeza de comida na mesa. Como exemplo, cita que a cidade de Peixe está às voltas de preservar um "senhor pé de pequi de mais de duzentos anos", que tem 4,5 metros de diâmetro, um maravilhoso e imponente gigante.  “Ser de peixe é um orgulho muito grande. Saber que além das belezas naturais nós temos uma gastronomia regional, onde temos muito a valorizar, os insumos do nosso cerrado, e poder dar oportunidade para muitas mulheres e muitas pessoas que trabalham no campo, ter condições de sobreviver daquilo que está lá no cerrado, no meio do mato, que muitas pessoas nem conhecem e não sabem o que é e você pegar tudo isso misturar sabores, agregar valores em certos pratos e perceber a cara de satisfação de quem come...isso é maravilhoso".

A chefe de cozinha Rosa de Fogo finaliza dizendo: diz: "Para mim, Peixe tem um significado não só pessoal, mas um significado de uma pessoa que nasceu aqui e tem orgulho de dizer 'eu amo essa cidade e eu preciso dar um pouco de mim também para essa cidade que me deu de tudo'. Esse prêmio, tenho certeza, vai alavancar a economia de Peixe e também vai alavancar a gastronomia do Tocantins. Porque não estamos levando o nome nosso, estamos levando o nome de nosso Estado, de nossa cidade, dizer que é de Peixe.  Participar da grandiosidade de um prêmio desse é só satisfação. Eu digo até que um dos momentos únicos na minha vida foi o dia em que eu recebi a notícia de que eu era uma das premiadas, representando o Tocantins. Como embaixadora tocantinense e sendo de peixe então? Enche meu peito de orgulho de dizer: eu sou embaixadora tocantinense, da cidade de Peixe”.