Ser judeu é um privilégio e uma responsabilidade. Poucos povos pagaram tão caro pelo direito de existir. Dos pogroms medievais ao Holocausto, nossa memória coletiva foi talhada no sofrimento, sustentando uma certeza: precisávamos de um lar seguro. Israel nasceu em 1948 para cumprir esse papel. Mas entre existir e dominar existe uma fronteira moral, e é essa linha que Israel, sob a liderança de Netanyahu e com o beneplácito entusiástico de Donald Trump, ameaça cruzar de forma irreversível.
O Hamas, com sua ideologia de negação total da existência de Israel, precisa ser condenado sem hesitação. Seus atentados não libertam palestinos; apenas perpetuam o sofrimento e alimentam extremistas de ambos os lados. Porém, condenar o terrorismo não nos autoriza a fechar os olhos à realidade da ocupação militar, à expansão de assentamentos ilegais e ao bloqueio sufocante imposto a Gaza. Segurança construída sobre a negação dos direitos de outro povo não é paz: é prolongamento de ódio.
Israel não pode se transformar em um Estado de apartheid, onde milhões de palestinos vivem sem cidadania plena, sem liberdade real e sem horizonte de autodeterminação. A “Lei do Estado-Nação”, de 2018, que rebaixa o status do árabe e privilegia apenas o caráter judaico do Estado, reforça uma hierarquia de cidadania incompatível com os valores de justiça e igualdade que sempre inspiraram os judeus da diáspora.
O antissionismo muitas vezes serve de máscara para o antissemitismo. É verdade. Mas também é fato que políticas de dominação territorial oferecem combustível para que o ódio contra judeus floresça. Quando até ex-primeiros-ministros como Ehud Olmert denunciam “uma guerra de devastação” e falam em crimes de guerra, é sinal de que algo está profundamente errado. E cada injustiça praticada em nome de Israel mina, pouco a pouco, o próprio significado de ser judeu.
A solução de dois Estados — por mais distante que pareça — ainda é a única via capaz de reconciliar o direito de Israel à segurança e o direito dos palestinos à dignidade. Defender Israel não é defender qualquer governo israelense. É, justamente, opor-se às políticas que traem a promessa de um lar seguro e justo para todos.
A força militar pode garantir a sobrevivência física de Israel. Mas a sobrevivência moral depende da coragem de renunciar à ocupação e escolher a coexistência. Muros não trarão segurança; a justiça, sim.
Existir não é dominar. Se insistirmos no caminho do domínio, não só perderemos a chance de paz — perderemos, também, o sentido de sermos judeus.
Illya Nathasje é publicitário e diretor comercial do Jornal O Progresso.
Artigo publicado originalmente no Jornal O Progresso de sexta-feira, 15 de agosto de 2025 - Edição 17.947 - Ano 56